Assinalando o Dia Internacional da Mulher fomos ouvir a médica portuguesa Sílvia Monteiro que acredita que o dom que recebemos de Deus no feminino pode ter um impacto muito relevante na transformação da Igreja. Tem vivido com muito empenho o processo sinodal colaborando com a Rede Sinodal em Portugal e sustenta que as mulheres devem ser envolvidas nos processos de decisão na Igreja.
No final do mês de fevereiro foi lançada pelas mulheres católicas uma Escola Sinodal dedicada ao tema “A missão das mulheres na Igreja sinodal”.
Organizações Femininas criaram uma Escola Sinodal
Estas webinars foram criadas pela União Mundial das Organizações Femininas Católicas (UMOFC), através do Observatório Mundial das Mulheres (WWO). O objetivo principal desta Escola Sinodal é informar e aprofundar, juntamente com participantes na XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, o andamento do caminho sinodal e os conteúdos fundamentais do capítulo 9 do Relatório de Síntese da Assembleia Sinodal de outubro de 2023 com o título “As mulheres na vida e na missão da Igreja”. Esta formação sinodal decorreu de 27 a 29 de fevereiro, em espanhol e inglês.
Em abril esta Escola Sinodal vai promover “Conversas no Espírito” para mulheres e homens em todo o mundo, para colocar em prática a metodologia sinodal e aprofundar a missão e ministérios das mulheres na Igreja. Mais informações em www.wucwo.org.
O rosto feminino da Igreja
Assinalando o Dia Internacional da Mulher, 8 de março, fomos ouvir a médica Sílvia Monteiro, que tem vivido de modo muito empenhado o processo sinodal colaborando com a Rede Sinodal em Portugal. Ela acredita que o dom que recebemos de Deus no feminino, pode ter um impacto muito relevante na transformação da Igreja.
“Acredito que o dom da mulher, que recebemos de Deus no feminino, pode ter um impacto muito relevante nesta transformação da Igreja, nesta nova forma de ser Igreja. E, claramente, a mulher tem um lugar essencial pelos dons da sensibilidade, da criatividade, do acolhimento, da escuta, da própria comunicação. Portanto, tenho muita esperança que, definitivamente, nós mulheres saibamos também acolher esta graça que recebemos com o batismo. Não ficarmos no nosso lugar, mas levantarmo-nos do sofá, como o Papa Francisco nos pede, para assumirmos a nossa missão em Igreja”, afirma.
Sílvia Monteiro considera que na Igreja “o papel da mulher tem sido completamente menorizado ao longo do tempo” devido ao clericalismo. Salienta que há mulheres com muita qualidade que podem trazer um rosto mais humano à Igreja e sustenta que as mulheres devem ser envolvidas nos processos de decisão na Igreja.
“A Igreja tem claramente um rosto feminino, mas, de facto, o papel da mulher tem sido completamente menorizado ao longo do tempo, fruto deste clericalismo tão enraizado na nossa Igreja. Acho que é tempo de nós mulheres sermos envolvidas nos processos de reflexão e decisão na Igreja. Isto é, não estarmos apenas na ação a fazermos aquilo que nos mandam, mas, de facto, há mulheres com muita qualidade. E penso que é notório nesses lugares onde estão mulheres que nós fazemos a diferença. Porque há mulheres de muita qualidade no Vaticano, mas seguramente também nas nossas dioceses, nas nossas paróquias, porque isto faz parte da própria psicologia feminina. Enquanto que um homem, qualquer projeto que lhe seja apresentado, um homem avança e segue, uma mulher para aceitar um projeto é porque ela está mesmo convencida que é capaz. Porque a nossa psicologia leva-nos a refletir: serei capaz ou não serei? Temos algumas barreiras que temos que ultrapassar. Quando uma mulher ousa avançar. Acreditem que ela tem muita qualidade. Há mulheres de muita qualidade que podem aportar e trazer um novo rosto de uma Igreja mais humana”, declara.
Recordando a sua especialidade médica em cuidados intensivos cardíacos, “onde tudo é cronometrado ao minuto”, afirma saber que o seu tempo não é o tempo da Igreja, mas acredita que o Espirito Santo está a impelir a Igreja para “uma mudança que tem que ser feita pelo Povo de Deus”.
“Eu sou médica cardiologista e trabalho em cuidados intensivos cardíacos, onde tudo é cronometrado ao minuto e, portanto, sei que o meu tempo não é o tempo da Igreja e eu tenho que aceitar isso. Eu tenho expectativa na mudança porque acredito muito no Espírito Santo e acredito que este é o tempo em que o Espírito está a agir e está-nos a impelir e a interpelar para esta mudança. Mas tenho a convicção de que vai ser tudo muito lento. A distância entre o Vaticano e Portugal, entre o sonho do Papa e a realidade é uma distância muito grande. Cabe-nos a todos nós não acharmos que é uma mudança que se vai fazer por cima, que se vai fazer pelo clero. Não, é uma mudança que tem que ser feita pelo Povo de Deus. Temos que caminhar todos e assumir toda esta responsabilidade de que queremos uma forma de ser Igreja diferente. Mas assumo que tem de partir da conversão e do querer muito de cada um de nós. Não podemos estar à espera que o movimento se faça de cima para baixo. Provavelmente, tem que acontecer de baixo para cima, mas, volto a frisar: acho que não há volta atrás. O Espírito está-nos a empurrar nesta direção. Eu diria que o Sínodo não vai acabar nunca. Porque caminhar em Igreja é um processo dinâmico e a Igreja tem que perceber que estamos em dinamismo, estamos em caminho. E quando falo em caminhar não digo contar passos, não é um cronómetro, estou a falar de crescer, de enriquecer, de abrir o Espírito à sabedoria dos outros. Tenho muito expectativa num novo tempo marcado por sabedoria e profecia. Precisamos muito de profetas do nosso tempo. Penso que o caminho passa também por aí”, sublinha Sílvia Monteiro.
Este comentário da médica Sílvia Monteiro foi recolhido no âmbito de um evento sinodal de encontro e diálogo em Cantanhede, na diocese de Coimbra, no passado dia 23 de fevereiro, organizado pela Rede Sinodal em Portugal, um site que nasceu a partir do livro “Não temos medo” e das suas reflexões sobre a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023 e o caminho sinodal.
A Rede Sinodal está em contato com todas as dioceses portuguesas, para informar sobre o pulsar do Sínodo em Portugal.
Propostas para a missão das mulheres na Igreja
No Relatório de Síntese do Sínodo o ponto 9 assinala que “as mulheres constituem a maioria das pessoas que frequentam as igrejas e são, muitas vezes, as primeiras missionárias da fé na família”. Salienta, contudo, que o “clericalismo, machismo e um uso inapropriado da autoridade continuam a deturpar o rosto da Igreja e causam danos à comunhão”.
O documento sublinha que a Assembleia Sinodal formulou “com clareza o pedido de um maior reconhecimento e valorização do contributo das mulheres e de um crescimento das responsabilidades pastorais que lhes são confiadas em todas as áreas da vida e da missão da Igreja”.
O Relatório de Síntese apresenta as seguintes propostas de trabalho para a missão das mulheres na Igreja:
– As Igrejas locais são encorajadas, de modo particular, a alargar o seu serviço de escuta, acompanhamento e cuidado às mulheres que, nos diferentes contextos sociais, estão mais marginalizadas.
– É urgente garantir que as mulheres possam participar nos processos de decisão e assumir papeis de responsabilidade na pastoral e no ministério. O Santo Padre aumentou de modo significativo o número de mulheres em posições de responsabilidade na Cúria Romana. O mesmo deveria acontecer nos outros níveis da vida da Igreja. Consequentemente, é necessário adaptar o direito canónico.
– Que se dê seguimento à pesquisa teológica e pastoral sobre o acesso das mulheres ao diaconado, beneficiando dos resultados das comissões propositadamente instituídas pelo Santo Padre e dos estudos teológicos, históricos e exegéticos já realizados. Se possível, os resultados deveriam ser apresentados à próxima sessão da Assembleia.
– Os casos de discriminação laboral e de remuneração desigual dentro da Igreja devem ser debatidos e resolvidos, particularmente no que concerne às consagradas que, muitíssimas vezes, são consideradas mão de obra barata.
– É preciso ampliar o acesso das mulheres aos programas de formação e aos estudos teológicos. Insiram-se as mulheres nos programas de ensino e formação dos seminários para favorecer uma melhor formação para o ministério ordenado.
– Os textos litúrgicos e os documentos da Igreja estejam mais atentos não só ao uso de uma linguagem que tenham em igual consideração os homens e as mulheres, mas também à inserção de uma gama de palavras, imagens e relatos que se inspirem com maior vitalidade na experiência feminina.
– Propomos que mulheres, com formação adequada, possam ser juízas em todos os processos canónicos.
Desmasculinizar a Igreja
Recordemos que em novembro de 2023 o Papa Francisco em audiência aos membros da Comissão Teológica Internacional reiterou a importância da contribuição das mulheres para a reflexão teológica.
“Se não soubermos o que é a teologia da mulher, nunca entenderemos o que é a Igreja”, disse o Santo Padre.
Fonte: Vatican News