A manifestação da religiosidade se dá em certos ritos e sinais externos feitos individual e até comunitariamente. Isso não significa necessariamente fé sustentada pela realização do projeto divino. Jesus condenou o ritualismo de fariseus de seu tempo, por apresentarem exteriormente sua religiosidade sem conteúdo real de realização do bem, conforme o espírito da lei divina. A hipocrisia faz com que muitos manifestem fé sem praticá-la de fato.
A importância do rito ou da liturgia é notória. O próprio Jesus participou dela e a realizou, mas com a eficácia de seu sentido. Na última ceia mostrou como é importante participar da Eucaristia! Deu a missão e o poder aos Apóstolos para realizá-la sempre em favor da salvação de todos.
A realização da vontade divina é o cerne da questão ritual. A oração por excelência leva a pessoa a se colocar em sintonia com Criador para querer tudo fazer conforme o desígnio dele. Jesus ensina a oração com a realização da vontade divina: “Seja feita a vossa vontade”! Sem a pessoa ser humilde e aceitar as coordenadas de Deus não adiantam as liturgias. Estas têm consistência de fé quando são colocadas em sintonia com a vontade do Senhor. Ele quer o bem de todos, mas é preciso a pessoa humana colocar em prática sua indicação. Fé e transformação da conduta estão intimamente ligadas. A manifestação da religiosidade só no aspecto vertical da ligação do humano com o divino, mas sem o compromisso de se relacionar com o semelhante do modo indicado por Deus, não dá consistência à ligação do humano com o divino. Deus não precisa de orações e ritos. Se o fazemos é para entrarmos no segredo do amor divino e termos sua força para a prática do amor fraterno, que inclui a vida de justiça, de misericórdia, de solidariedade e de paz.
Muitos podem achar que seus ritos têm força de modificar as ações e fatos. Mas, por si sós, eles seriam usados como amuletos ou superstições, sem o poder que se julga terem. Somente a ação de Deus faz nossas preces e ritos terem força de transformação da vida e dos fatos. Em nossos sinais religiosos damos oportunidade a que Ele aja e tenhamos força para vencer o mal e nossos limites, quando tudo fazemos com atitude humilde de confiar na bondade e no poder divinos.
Na proximidade de amor com o Criador encontramos a força necessária para vencermos os males e limites nossos. Aceitamos suas orientações, as seguimos e triunfamos, como aconteceu com o antigo povo judeu, que alcançou a terra prometida (Cf. Deuteronômio 4,6-8). O Apóstolo Tiago lembra a necessidade de se aceitar com humildade a palavra de Deus, que é capaz de nos salvar. Mas, acrescenta: “Sede praticantes da palavra e não meros ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tiago 1, 21). Praticar significa realizar o bem ao semelhante, principalmente a quem é mais desvalido na vida, lembra o mesmo discípulo.
Jesus critica o ritualismo de fariseus que costumavam fazer de certos atos a manifestação religiosa, mas não realizavam a prática da caridade: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim… Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens” (Marcos 7, 6.8).
A ligação entre fé e vida leva cada pessoa a ser realmente cidadã consciente. Age com ética, grandeza moral e compromisso com o bem comum. A fé verdadeira transforma a pessoa porque se enche do amor de Deus para vivê-lo com o semelhante. Na comunidade religiosa a pessoa encontra meios importantes para isso. Basta não realizar os ritos só para ser vista como pessoa religiosa, enganando o semelhante com a aparência de fé.
Dom José Alberto Moura
Arcebispo de Montes Claros (MG)