A sociedade brasileira, obviamente no contexto mundial, mais amplo, está também desafiada a avaliar no conjunto de suas crises a configuração das colisões entre princípios éticos e ideologias. Esses embates precisam ser administrados com o mínimo de racionalidade para não se correr o risco de polarizações que vão acelerar processos de intolerância. Deve, sempre, sobressair o exercício do entendimento, cujo ponto de partida é a preservação de princípios inegociáveis, o que inclui o respeito incondicional ao outro.
Ao assumir posturas ideológicas, não se pode “passar por cima”, desrespeitosamente, de valores e princípios de outras pessoas, de diferentes segmentos da sociedade nas suas configurações religiosas, sociais e políticas. O desrespeito, certamente, é uma das fontes da crise humanística e comunitária. Suas consequências podem ser irreversíveis: ódio, disputa e permissividade que comprometerão o mínimo de civilidade e de convívio fraterno. Aliás, a sociedade brasileira, com seus diferentes grupos, já está sofrendo com situações que expõem radicalismos e fundamentalismos. Evidentemente, esses episódios tornam a paz mais distante. Há uma facilidade irracional para agredir, acusar e espalhar mentiras. Ações que ferem o tecido da cultura brasileira e ganham amplitude nas redes sociais e nos tradicionais meios de comunicação.
Eventos públicos, como os recentemente realizados nas grandes capitais do país, não podem agredir símbolos religiosos e misturar o direito de defesa de perspectivas com atitudes hostis. A ordem pública tem que se posicionar para que as banalizações não tomem conta da sociedade, um processo perigoso que corrói o núcleo da consciência coletiva. O que movimentos e grupos promoveram, por exemplo, nas ruas de São Paulo, é ofensa aos cristãos, pois se trata de banalizar os símbolos religiosos, um ato irracional. A defesa da pluralidade não justifica e não confere direito a qualquer grupo ou pessoa de assumir posturas marcadas por intolerâncias.
Os cristãos têm o direito e o dever de mostrar que a defesa de uma sociedade plural passa por um caminho diferente do que é trilhado por quem busca agredir a fé. Não se conquista a paz e o respeito ferindo princípios de uma confissão religiosa, ainda mais de maneira debochada. Diante do ocorrido em São Paulo, todo cristão é chamado a expressar ainda mais os princípios de sua fé. Deixar ficar por isso mesmo, sem esse educativo protesto, é ser conivente com um processo que, à primeira vista, parece ser aceitável como expressão democrática. Contudo, trata-se de uma precipitação tácita e perigosa da sociedade num caos produzido pela relativização abominável de princípios e valores.
É hora, portanto, de um alerta geral. Os deboches e desrespeitos promovidos por parte de um grupo – que merece ser respeitado, cada um de seus integrantes reconhecidos em sua dignidade humana -, é a “ponta de um iceberg”. Revela posturas que não podem passar despercebidas. A sociedade, com seus diversos segmentos, tem o desafio de acompanhar o processo em curso para se posicionar sobre importantes temas. Em especial, a respeito da inclusão da chamada ideologia de gênero nas diretrizes da educação nacional, um tema que ainda não é de domínio público. No horizonte dessa mudança, entre outros pontos, a escola – e não a família -, teria a tarefa de ajudar o menino ou a menina a discernir a sua identidade sexual. Isto significa passar por cima de dimensões antropológicas e éticas que são valores inegociáveis no âmbito da moral e da confissão religiosa cristã.
Esse tema traz impactos na vida de muitas pessoas. É um alerta para a indispensável participação de diferentes segmentos da sociedade, para que não se pague o alto preço por negociar princípios em razão de ideologias. Urge, portanto, conhecer os muitos processos que estão em rota de colisão com o bem da sociedade para detê-los. Quem ainda desconhece essas questões deve buscar orientação e informações. Ainda há tempo para firmar um posicionamento.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
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