A quaresma é o tempo de preparação para a Páscoa do Senhor. Tempo em que todos nós cristãos e cristãs devemos nos dedicar à reflexão, a uma análise profunda de como estamos vivendo nossa vida em família, em comunidade, em nosso trabalho, estudo, lazer, enfim, como estamos sendo, de fato, cristãos e cristãs no cotidiano de nossas vidas. É o tempo favorável, tempo propício para a nossa conversão.
Após o Concílio Vaticano II, a quaresma foi esclarecendo seu sentido fundamental: ‘que pretende, sobretudo através da recordação ou preparação do Batismo e pela Penitência, preparar os fieis, que devem ouvir com mais frequência a Palavra de Deus e dar-se à oração com mais insistência, para a celebração do mistério pascal’. (Sacrosanctum Concilium, 109).
Assim, vamos percebendo que o tempo da quaresma só tem sentido quando entendido e vivido em relação ao Tríduo Pascal, passagem da morte à ressurreição de Cristo. Por isso, os temas da quaresma são justamente o batismo e a penitência. No Evangelho de Mateus, cap. 6, 1-8.16, Jesus fala da esmola, da oração e do jejum, que são para nós, a síntese do processo de conversão. Uma vez que somos batizados, primeiro ‘exercício de conversão’, resta-nos praticar essas três ‘ferramentas’ de conversão.
Queremos aqui dar um destaque à prática do jejum, não porque as outras duas não sejam importantes, como vimos, as três juntas fazem parte das ‘práticas penitenciais’, mas por ser o jejum muito comum entre nós na piedade popular e talvez por isso, envolto em mitos e alguns exageros.
Em primeiro lugar, o jejum não é uma dieta, nem se trata de emagrecer ou perder alguns quilinhos adquiridos durante o carnaval. Jejuar também não é deixar de comer, ou passar alguma necessidade, provocar sofrimento ou se auto flagelar. “Quando vocês jejuarem, não fiquem de rosto triste, como os hipócritas. Eles desfiguram o rosto para que os homens vejam que estão jejuando. Eu garanto a vocês: eles já receberam a recompensa. Quando você jejuar, perfume a cabeça e lave o rosto, para que os homens não vejam que você está jejuando, mas somente seu Pai, que vê o escondido; e seu Pai, que vê o escondido, recompensará você.” (Mt 6, 16-18).
Jejuar é um ato de fé e exercício de liberdade. O ser humano é chamado a ser livre, porém, muitas vezes, se torna escravo da criação. O jejum é uma postura que o ser humano assume diante dos bens criados. Abster-se de comida e bebida é procurar uma relação de autonomia em relação ao alimento e, por consequência, às demais coisas que podem escravizar, sejam bens materiais, ideologias, apegos. Isso quer dizer que devemos fazer jejum de comida, mas também de pensamento, de olhos, de ouvido, boca e coração. Um bom jejum nos ajuda a não sermos consumistas, manipulados pela mídia, viciados em nenhum tipo de dependência química ou psicológica. Um bom jejum nos ajuda a decidirmos o caminho que vamos percorrer. Faz de nós livres e senhores da criação como era da vontade de Deus no início da criação. ‘E Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sejam fecundos, multipliquem-se, encham e submetam a terra; dominem os peixes do mar, as aves do céu e todos os seres vivos que rastejam sobre a terra’. (Gn 1, 28).
Que o nosso jejum seja sempre um sacrifício de amor a Deus, um sinal de comunhão com a Igreja de Jesus Cristo e compromisso de caridade solidária com nossos irmãos e irmãs necessitados. Que a Quaresma produza em nós muitos frutos de conversão.
Pe. André Gustavo de Sousa
Fonte: A12