A Virgem Maria foi honrada e venerada como Mãe de Deus desde os inícios do cristianismo.
“Os primeiros cristãos, aos quais devemos recorrer sempre como modelo, renderam um culto amável à Virgem. Nas pinturas dos primeiros três séculos do cristianismo, conservadas nas catacumbas romanas, ela é representada com o Deus Menino nos braços. Nunca imitaremos o suficiente os primeiros cristãos nesta devoção à Santíssima Virgem!”, afirmou São Jose maría Escrivá.
Em ocasião do mês de maio, falemos das origens da devoção mariana nos primeiros cristãos.
Me chamarão Bendita:
Como evidenciaram os estudos marianos recentes, a Virgem Maria foi honrada e venerada como Mãe de Deus e Mãe dos cristãos desde os inícios do cristianismo.
Nos três primeiros séculos, a veneração a Maria foi incluída basicamente na adoração do Seu Filho.
Um padre da Igreja resume a sensação deste primeiro culto mariano referindo-se a Maria com estas palavras: “Os profetas te anunciaram e os apóstolos te celebraram com os mais altos louvores”.
Dos primeiros séculos se podem recolher os testemunhos indiretos do culto mariano. Entre estes existem alguns restos arqueológicos nas catacumbas, que demostram o culto e a veneração dos primeiros cristãos por Maria.
É o caso das pinturas marianas das catacumbas de Priscilla: em uma dessas se mostra a Virgem santificada com o Menino no colo e um profeta (talvez Isaías), ao lado; outras duas representam o Anúncio e a Epifania. São todas pinturas do final do segundo século. Nas catacumbas de São Marcos e São Marcelliano admira-se também uma pintura do século III-IV que representa Maria entre São Pedro e São Paulo, com as mãos estendidas e em atitude de oração.
Uma esplêndida demonstração do culto mariano é a oração Sub tuim praesidium, datando século III-IV, pela qual se pede a intercessão de Maria.
Os padres do século IV louvam de modos diversos a Mãe de Deus. Santo Epifanio, combatendo o erro de uma seita na Arábia que rendia culto de idolatria a Maria, depois de terem recusado tal culto, escreveram: “Seja honrada Maria! Seja honrado o Senhor”.
A mesma distinção se aprecia em Santo Ambrósio, que depois de ter louvado a “Mãe de todas as virgens” é claríssimo quando diz que “Maria não é o Deus do templo, mas o templo de Deus”, para colocar na posição justa o culto mariano, distinguindo daquele professado a Deus.
Há evidências de que, no tempo do Papa São Silvestre, nos Fóruns, onde antes foi elevado um templo à deusa romana Vesta, construiu-se um do qual a invocação era Santa Maria Antiqua. O bispo Alessandro de Alexandria consagrou uma Igreja em honra à Mãe de Deus. Sabe-se também que na Igreja da Natividade, na Palestina, datando da época de Constantino, ao lado do culto ao Senhor tinha o de Maria, recordando a milagrosa concepção de Cristo.
Na Liturgia Eucarística existem dados confiáveis que mostram a menção de veneração de Maria na oração eucarística datada do ano de 225, e que nas festas do Senhor – Encarnação, Natal, Epifania… – se honrasse também Sua Mãe. Relata-se em geral que por volta do ano 380 foi instituída a primeira festividade mariana, denominada indistintamente “Memória da Mãe de Deus”, “Festa da Santíssima Vírgem”, ou “Festa da gloriosa Mãe”.
O testemunho dos Padres da Igreja
O primeiro Padre da Igreja a escrever sobre Maria foi Santo Inácio de Antioquia (+ c. 110), que defende a realidade humana de Cristo afirmando que pertence a estirpe de Davi, tendo nascido realmente de Maria Virgem. “Foi concebido e gerado pela Santa Maria; esta concepção foi virginal, e esta virgindade pertence a um daqueles mistérios ocultos no silêncio de Deus”.
Em São Justino (+ c. 167), a reflexão mariana parece referida a Gen 3,15 e ligada ao paralelismo antitético Eva-Maria.
No diálogo com Trifone, Justino insiste sobre a verdade da natureza humana de Cristo, e consequentemente sobre a realidade da maternidade de Santa Maria; e como Santo Inácio de Antioquia realça a verdade da concepção virginal e insere o paralelismo Eva-Maria no seu argumento teológico.
O paralelismo servirá de fio condutor para a mais rica e constante teologia mariana dos Padres.
Santo Irineu de Lião (+ c. 202), em um contexto polêmico contra os gnósticos e professores, insiste na realidade corporal de Cristo e sobre a verdade da sua geração no ventre de Maria. Faz também da maternidade divina uma das bases da sua cristologia: é a natureza humana assumida pelo Filho de Deus no seio da Maria que torna possível o fato de que a morte redentora de Jesus abrace todo o gênero humano. Ressalta também que o papel materno da Santa Maria na sua relação com o novo Adão e na sua cooperação com o Redentor.
No Norte da África, Tertulliano (+ c. 222), na sua controvérsia com o gnóstico Marcione, afirma que Maria é a Mãe de Cristo porque Ele foi gerado no seu seio virginal.
No século III se iniciou a utilizar o título Theotókos (Mãe de Deus). Orígenes (+ c. 254) foi a primeira testemunha conhecida deste título. Em forma de súplica aparece pela primeira vez a oração Sub tuum praesidium, a oração mariana mais antiga a nós observada. Já no século IV o mesmo título vem utilizado na profissão de fé de Alexandre de Alexandria contra Ario.
A partir daquele momento adquire universalidade, e são muitos os Santos Padres que param para explicar a dimensão teológica desta verdade – Santo Efrem, Santo Atanásio, São Basílio, São Gregório Nazareno, São Gregório de Nissa, Santo Ambrósio, Santo Agostinho, Proclo de Constantinopla…-, ao ponto que o título de Mãe de Deus se torna o mais usado quando se fala de Santa Maria.
A verdade da maternidade divina foi definida como dogma de fé no Concílio de Éfeso em 431.
“E depois da morte do Salvador? Maria é a Rainha dos Apóstolos; encontra-se no Cenáculo e ali acompanha na recepção daquele que Cristo tinha prometido, o Paráclito; exorta-os nas suas dúvidas, ajuda-os a superar os obstáculos que a fraqueza humana põe sobre seus caminhos; é guia, luz e encorajamento dos primeiros cristãos”, afirma São Josemaría Escrivá.
As prerrogativas ou privilégios marianos
A descrição dos inícios da devoção mariana restaria incompleta se não se mencionasse um terceiro elemento fundamental na sua elaboração: a firme convicção da excepcionalidade da pessoa de Santa Maria – exepcionalidade que faz parte do seu mistério -, que se sintetiza na afirmação de sua total santidade, conhecida como “privilégios” marianos.
Trata-se de “privilégios” que encontram a própria razão na relação materna de Santa Maria com Cristo e com o mistério da salvação, mas que estão realmente nela, dotando-a de modo superabundante das graças necessárias para realizar a sua missão única e universal.
Estes privilégios marianos não se entendem como algo acidental, ou supérfluo, mas como algo necessário para manter a integridade da fé.
Santo Inácio, São Justino e Tertulliano falam da virgindade. Fala também Santo Irineu. No Egito, Orígenes defende a perpétua virgindade de Maria e considera a Mãe do Messias, modelo e auxílio dos cristãos.
No século IV foi criado o termo aeiparthenos – sempre virgem -, que Santo Epifânio introduziu no seu símbolo de fé, e em seguida o II Concílio ecumênico de Constantinopla o acolheu em sua declaração dogmática.
Junto a esta afirmação da virgindade da Santa Maria, que se torna sempre mais frequente e universal, destaca-se com o passar do tempo a afirmação da total santidade da Virgem. Rejeitada sempre a existência do pecado na Virgem.
Assim se deu com Santo Irineu, Tertulliano, Orígenes, São Basílio, São João Crisóstomo, Santo Efrem e São Cirilo de Alexandria, enquanto que Santo Ambrósio e Santo Agostinho recusaram a possibilidade de imperfeição na Virgem.
Depois da definição dogmática da maternidade divina no Concílio de Éfeso (431), a prerrogativa da santidade plena aconteceu consolidando e foi generalizado o título de “toda santa” – panaghia. No Akathistos se canta “o Senhor te fez toda santa e gloriosa” (canto 23).
Do século Vi, e em conexão com o desenvolvimento da afirmação da maternidade divina e da total santidade da Santa Maria, aprecia-se também um evidente desenvolvimento de afirmação das prerrogativas marianas.
Assim acontece concretamente em temas relativos à Dormição, Assunção da Virgem, total ausência de pecado (incluindo o pecado original), nela ou ao seu compromisso de Mediadora e Rainha. Citam-se em particular São Modesto de Jerusalém, Santo André de Creta, São Germano de Constantinopla e São João Damasceno como os Pais dos últimos séculos do período patrístico que aprofundaram as prerrogativas marianas.