A insegurança caracteriza nossa época. Diante disso, surgem contrastes e até aberrações. A inteligência humana criou uma tecnologia em grau jamais imaginado em tempos passados. Um ambiente de autossuficiência favorece o avanço do racionalismo, que procura relegar a Fé a plano secundário. Por incrível que pareça, também prolifera a credulidade irracional em tal nível que envergonharia os antepassados. Um exemplo é a grande audiência de certos programas de televisão que exploram a crendice popular e deturpam a mensagem do Evangelho. Evidentemente, isso ocorre por haver um clima propício.
Os valores morais estão enfraquecidos em seus alicerces. Ondas de sandice se revezam. Esse fluxo começou antes de 1968, mas teve, em Nanterre, o epicentro do maremoto. Passou, e eis que emerge uma e outras vezes, com nomes e aparências diversas. O desespero deságua no hedonismo mais desenfreado ou tenta esquecer a triste realidade sob ilusão das drogas, cujo consumo está em franco progresso.
Até o absurdo é usado como argumento. Assim, defende-se a pornografia sob o nome sagrado de “liberdade”. Advoga-se o direito à propagação da imoralidade, a pretexto do respeito à expressão do pensamento. Ao mesmo tempo, censura-se a pregação do Evangelho em aspectos que degradam.
A própria Religião passa por dois perigos: uns procuram alimentar um sentimentalismo espiritualista; outros, vazios em seu interior, e desconhecendo a presença de Deus no íntimo de si mesmos, partem para um ativismo, em que se confunde a importância da justiça do mundo com a divina.
Felizmente, a esse quadro e a tantos e emaranhados problemas há sempre uma resposta. Esta é válida apenas para aqueles que a procuram e a aceitam. Somente assim se atinge a profundidade do coração e então se torna fonte de alegria e esperança. Em Maria, Mãe de Jesus, está a raiz da solução.
Primeiro porque não duvidou quando lhe foi anunciado o inacreditável: “Bendita és tu entre as mulheres” (Lc 1, 42). Ela, pobre e desconhecida moça, creu na realização dessa admirável perspectiva. E não se desesperou, quando tudo parecia ruir: O Cristo traído, torturado, pendente no pelourinho da Cruz.
Assim, venceu a perseguição, a dor e a angústia. Viveu cercada de violência, imersa em um bárbaro colonialismo, na injustiça. Sobreviveu por ter acreditado na Fonte da vida. Voltada para o mistério, teve fé na mão poderosa do Senhor, que rege – embora de modo invisível – os destinos do universo tão conturbado.
Aceitou firmemente sua mensagem contra todas as aparências. Não rejeitou o que lhe foi dito: “A Deus nenhuma coisa é impossível” (Lc 1, 37). Por isso, concebe, sem a difamação que lhe adviria. Um esposo segundo a lei foi a solução divina. Em Caná confiou antes dos Apóstolos e, ao dizer “fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,5), fez desaparecer as resistências da incredulidade.
À ânsia de libertação de todas as peias, ao rompimento de qualquer preceito, à aversão à obediência, que marcam o clima humano em nossos dias, Maria antepõe uma total aceitação da vontade de Deus. Cumpriu verdadeiramente tudo que lhe foi ordenado. Fê-lo à custa dos maiores sacrifícios. Essa submissão que não envergonha, pois é motivada pelo amor ao Todo-Poderoso, manteve a Virgem sempre fiel ao seu encargo decorrente de sua vocação especial, de Maternidade divina.
Todo cristão encontra na Senhora o caminho para sobreviver, com acerto, no confuso ambiente que nos envolve. E mais ainda, ela torna cada fiel, no mundo desorientado, um sinal de Deus. Símbolo da nova Humanidade, a reconduz à verdade, apesar dos percalços. Em meio ao ódio e à violência, à desconfiança, é o penhor de uma vitória, a que nasce da Graça. Foi assim no ato da Redenção e continua até hoje.
Essas considerações nos vêm por ocasião na solenidade da Assunção de Nossa Senhora, celebrada liturgicamente, no Brasil, neste dia 16 de agosto. É uma oportunidade para reavivar nosso sentimento filial à Virgem.
O Santo Padre Bento XVI em sua homilia por ocasião da solenidade da Assunção em 2008, assim se expressou: “É uma ocasião para nos elevarmos com Maria às alturas do espírito, onde se respira o ar puro da vida sobrenatural e se contempla a beleza mais autêntica, a da santidade (…). Maria é a primícia da humanidade nova, a criatura em que o mistério de Cristo – encarnação, morte, ressurreição e ascensão ao Céu – já teve o seu pleno efeito, resgatando-a da morte e levando-a de corpo e alma ao reino da vida imortal. Por isso a Virgem Maria, como recorda o Concílio Vaticano II, constitui para nós um sinal de esperança segura e de consolação (cf.”Lumen Gentium”, nº 68). A festa hodierna impele-nos a elevar o olhar. Não se trata de algo feito de ideias abstratas, nem sequer de um imaginário criado pela arte, mas de uma realidade autêntica, que é o próprio Deus. E Ele é a nossa meta, a meta e a morada eterna, de onde vimos e para a qual tendemos”.
Confirmando uma tradição celebrada desde o século IV, o Dogma da Assunção de Nossa Senhora foi proclamado durante o Ano Santo de 1950 pelo Papa Pio XII, com a Constituição Apostólica “Munificentissimus Deus” na qual expressava: “(…) pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que: a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial” (nº 44).
Dom Eugenio de Araujo Sales
Cardeal Arcebispo Emérito do Rio de Janeiro