A referência ao diálogo como aventura, embora cause certo estranhamento, é algo a se considerar no estágio atual da situação sociopolítica, cultural e mesmo religiosa da sociedade brasileira. Cenários diversos revelam a dificuldade generalizada para se estabelecer diálogos. E o diálogo é condição sem a qual não se edifica a sociedade, particularmente a contemporânea, na sua constituição plural. Prejudica esse necessário processo de interação o enquadramento de pessoas e de situações que pode levar a arbitrariedades e a desrespeitos, criando, consequentemente, verdadeira anarquia.
As concepções monolíticas a respeito de situações plurais na política, na cultura e mesmo na vida religiosa provocam grande confusão. Evidentemente, é preciso observar certos parâmetros. Princípios éticos e valores inegociáveis devem sempre pautar as condutas. Porém, o diálogo só é exitoso quando se reconhece a pluralidade, compreendendo que ninguém é dono da verdade. O respeito ao outro e às diferenças são condições para se avançar em discernimentos e, assim, fazer escolhas acertadas, corrigir rumos e alcançar novas respostas. Só o diálogo e a capacidade de dialogar revelam e comprovam a envergadura moral e cidadã.
Uma das mais terríveis crises da sociedade brasileira é a generalizada incompetência para o diálogo entre instituições, grupos e pessoas. Para complicar esse quadro desafiador, aparecem os oportunistas e também aqueles que buscam travar as possibilidades do intercâmbio de ideias e opiniões. Prenúncio para radicalismos e outras perdas no necessário processo de se reconstruir a nação. Para superar a falta generalizada de diálogo, são necessários exercícios que alarguem corações e mentes, que iluminem visões capazes de contribuir para o enfrentamento dos muitos problemas que se abatem sobre a sociedade.
O Papa Francisco, na sua Exortação Apostólica Alegria do Evangelho, fala sobre a crise do compromisso comunitário. O enfrentamento desse problema, com respostas assertivas, é que pode permitir o revigoramento da cidadania, em vista de uma nação civilizada, estabelecida nos trilhos da igualdade social, da justiça e da participação de todos. A solução não é simples e demanda mais que análises de caráter sociológico ou político. É necessário ultrapassar a defesa egoísta dos próprios interesses, de pequenos grupos ou classes, para empreender esforços e garantir soluções que gerem benefícios para a coletividade.
Essa nova postura é que possibilita um processo de interpretação de fatos e de acontecimentos capaz de suscitar nos corações o desejo e a prática do diálogo. Urgente é considerar os rápidos processos de desumanização em curso, muitos deles até com consequências irreversíveis. Uma conta a ser paga no restante da história desta sociedade que acata e acelera esses processos. Em vez de se defender interesses partidários ou de poucos, é preciso considerar os descompassos do mundo contemporâneo. Enormes avanços e conquistas, progressos científicos e inovações tecnológicas contracenam com a violência, a miséria e o medo.
É irracional aguçar a simples defesa de interesses particulares e não percorrer a circularidade existencial, exercício indispensável para conseguir ver a partir do lugar do outro, especialmente de quem é mais pobre. A sensibilidade necessária para enxergar além do que é particular constitui condição para abrir-se ao diálogo. Exercitar esse discernimento possibilita reconhecer que todos partilham a mesma estatura e merecem respeito. Assim, é possível o diálogo, caminho para superar a mesquinhez e a indiferença que alimentam, entre outros males, o desarvorado desejo de se acumular dinheiro e poder, verdadeira porta para a corrupção.
Para promover a abertura ao diálogo, em todos os níveis, na sociedade brasileira, vale a pena começar por dizer “não”, como ressalta o Papa Francisco, conselheiro admirável, na Exortação Apostólica Alegria do Evangelho: Não a uma economia da exclusão, pela superação da globalização da indiferença; não à nova idolatria do dinheiro, pelo reconhecimento de que a crise econômica é, acima de tudo, antropológica, pois é desconsiderado o primado da pessoa humana; não à desigualdade vergonhosa, fonte de violência, pois é necessária uma profunda reforma que inclua mais simplicidade nos gestos de ricos, que precisam ajudar os pobres. É preciso reduzir distâncias, aproximar do outro, para que se possa construir um futuro melhor. Essa tarefa tem dinâmica própria, que desafia a sociedade brasileira a entrar nas aventuras do diálogo.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)