Anunciado por todos os profetas e ansiado por todas as nações, é no Sagrado Coração de Jesus que se resume a história dos homens e onde se encontra a “fonte de toda consolação”. Dele, coração humano e divino, brotam mananciais de água viva para a humanidade inteira, conforme prometeu Isaías: “Com alegria tirareis água nas fontes do Salvador” (Is 12, 3), e conforme Ele mesmo revelou à samaritana: “Se conhecesses o dom de Deus e quem é aquele que te diz: ‘Dá-me de beber’, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva” (Jo 4, 10).
O culto ao coração de Nosso Senhor, no entanto, nem sempre foi compreendido da forma correta dentro da Igreja. Há quem se incomode com a ideia de adorar um “órgão humano” – mesmo que seja o de Jesus –, como se tal ato fosse um exagero ou ferisse a honra devida somente a Deus. Outros chegam a vislumbrar a beleza dessa devoção, mas, por não saberem o que ela significa, acabam não lhe dando muita importância e, muitas vezes, chegam a agir com certo desprezo para com ele, considerando o culto ao Sagrado Coração quase como uma “superstição”.
Contra essa visão completamente distorcida das coisas, o Papa Pio XII escreveu, em 1956, a riquíssima encíclica Haurietis Aquas, exatamente “sobre o culto ao Sacratíssimo Coração de Jesus”. Neste documento, Sua Santidade adverte que “este culto não deve a sua origem a revelações privadas, nem apareceu de improviso na Igreja”, mas simplesmente confirma as verdades sobre a vida de Cristo e o seu imenso amor para com os homens. “Evidente é, portanto, que as revelações com que foi favorecida Santa Margarida Maria não acrescentaram nada de novo à doutrina católica” [1].
Mas, qual é, afinal, a doutrina católica a respeito do culto ao Sagrado Coração de Jesus?
Em primeiro lugar, a Igreja ensina que esse culto consiste em uma verdadeira adoração. A razão disso está na doutrina da “união hipostática” de Cristo: “Uma vez que Deus Verbo se encarnou, a carne de Cristo é adorada não por si mesma, mas porque o Verbo de Deus está unido a ela segundo a hipóstase” [2]. Assim, pois, comenta Santo Tomás de Aquino, “adorar a carne de Cristo nada mais é do que adorar o Verbo de Deus encarnado, assim como adorar a roupa do rei nada mais é do que adorar o rei que a veste” [3]. É por isso que quem reza a Ladainha do Sagrado Coração recorda que esse órgão de Cristo está “unido substancialmente ao Verbo de Deus” e que nele “habita toda a plenitude da divindade”. Os católicos, portanto, não só podem, como devem, adorar o Sagrado Coração de Jesus, sem nenhum temor ou escrúpulo.
Agora, por que tanta ênfase no coração de Cristo? Por que não adorar outro órgão qualquer de Nosso Senhor, como o cérebro, ou os Seus outros membros feridos pelos agudos cravos da Cruz? A resposta está em que, “mais do que qualquer outro membro do seu corpo – diz o Papa Pio XII –, o seu coração é o índice natural ou o símbolo da sua imensa caridade para com o gênero humano” [4].
Os católicos adoram o Coração de Jesus porque a fé cristã é, acima de tudo, a “religião do amor”. Na verdade, não existe nenhuma virtude maior do que a caridade (cf. 1 Cor 13, 13); nenhum mandamento maior do que o amor (cf. Mt 22, 34-40); nada tão importante quando o fato de que “Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu o Seu Filho único, para que todo o que n’Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16).
Além disso, cremos que Deus, assumindo um coração verdadeiramente humano, sujeitou-se livremente a experimentar os sentimentos mais comuns da vida de qualquer pessoa, tais como o amor e a alegria, a tristeza e o temor etc [5]. O Papa Pio XII confirma que “o coração de Cristo (…) sem dúvida deve ter palpitado de amor e de outros afetos sensíveis” [6].
Por isso, convém “meditar as pulsações do seu coração” [7], a fim de que também os nossos corações possam, com suas batidas, tributar um hino de louvor a Deus.
O Coração de Jesus “pulsa de amor ao mesmo tempo humano e divino desde que a virgem Maria pronunciou aquela palavra magnânima ‘Fiat’” [8].
O Coração de Jesus pulsou de amor quando se perdeu de seus pais e, tomado por um zelo que O consumia, aninhou-se no templo e tratou de cuidar das coisas de Seu Pai (cf. Lc 2, 49).
O Coração de Jesus pulsou de amor quando trabalhou na carpintaria de Nazaré, rodeado por São José, Seu pai adotivo, e por Sua santíssima mãe, a qual O nutria e O via crescer “em estatura, graça e sabedoria, diante de Deus e dos homens” (Lc 2, 52).
O Coração de Jesus pulsou de amor quando sentiu compaixão das multidões que O cercavam (cf. Mc 8, 2), quando deu vista aos cegos, quando curou os enfermos e quando ressuscitou os mortos.
O Coração de Jesus pulsou de amor e admiração, quando viu a grande fé daquele soldado romano, cujas palavras são repetidas todos os dias na Santa Missa: Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha casa, mas dizei uma só palavra e minha alma será salva (cf. Mt 8, 8).
O Coração de Jesus pulsou de amor e de santa ira, quando expulsou os cambistas e vendilhões do templo, ordenando que não fizessem da casa de Seu Pai uma casa de comércio (cf. Mt 21, 13).
O Coração de Jesus pulsou de amor e de alegria, quando instituiu o Santíssimo Sacramento da Eucaristia, deixando a Si mesmo como alimento para todos os que O haviam de seguir, até o fim dos tempos.
O Coração de Jesus pulsou de amor, de tristeza e de temor, quando rezou no Horto das Oliveiras, implorando misericórdia e suando gotas de sangue pela humanidade pecadora (cf. Mt 26, 38; Mc 14, 33).
O Coração de Jesus pulsou disparadamente quando Se entregou na Cruz, palpitando “mais pela força do amor do que pela violência dos algozes” [9].
O Coração de Jesus pulsou de amor e misericórdia, quando acolheu no Céu o bom ladrão (cf. Lc 23, 43) e perdoou os Seus carrascos do crime que cometeram (cf. Lc 23, 34).
O Coração de Jesus pulsou de amor quando entregou Maria Santíssima aos cuidados de Seu discípulo amado, designando-a mãe de toda a Igreja (cf. Jo 19, 25-27).
Finalmente, no Céu, “o seu coração sacratíssimo nunca deixou nem deixará de palpitar com imperturbável e plácida pulsação” [10], já que a aliança que firmou com a Sua Igreja é irrevogável e o Seu amor para com ela é eterno, como Ele mesmo tinha prometido: “Esta é a aliança que farei com a casa de Israel a partir daquele dia – oráculo do Senhor, colocarei a minha lei no seu coração, vou gravá-la em seu coração; serei o Deus deles, e eles, o meu povo” (Jr 31, 33).
Por todas essas pulsações do Sagrado Coração de Jesus, que também nós vivamos a nossa vida como um completo e constante ato de amor a Ele. Peçamos-Lhe a graça de imitar o Seu manso e humilde coração (cf. Mt 11, 29) e que, assim como o Seu, também os nossos se convertam em uma “fornalha ardente de caridade”.
Sacratíssimo Coração de Jesus,
tende piedade de nós!