A atual campanha política tem levantado inúmeras interrogações, feito nascer muitas inquietações e multiplicado sentimentos marcados pela perplexidade. “Afinal” – perguntam muitos – “na política vale tudo?” É óbvio que não, assim como é pacífico que num mundo que valoriza a democracia a política não é só oportuna como necessária.
O problema ético não atinge somente o mundo da política. Quem não concorda que, de uns tempos para cá, os costumes da sociedade mudaram muito? Princípios éticos aceitos pacificamente como valores essenciais para a vida humana são hoje desprezados ou ignorados, dando lugar a um novo modo de pensar, de agir e de viver. Este início de milênio é marcado pela crise ética. Ainda mais grave é a crise da Ética, pois passa-se a aceitar tudo isso como “natural”, como “normal”. Será mesmo normal e natural que não haja normas para dirigir os atos humanos, particulares ou públicos? Quando não são aceitos princípios éticos, surge um mundo no qual impera a lei do mais forte, do que tem mais recursos e do mais astuto. Quando foi a última vez que você ligou a TV, procurou notícias na internet, escutou o noticiário radiofônico ou abriu o jornal e seus pensamentos não foram invadidos por informações sobre desonestidade pública, corrupção, abuso de poder, exploração do próximo, licenciosidade, violência ou injustiça?
É necessária a união de todos para a construção de uma sociedade da qual sejam erradicadas a corrupção, a mentira e a difamação, e nela cresça a credibilidade das instituições. Isso é possível e necessário, mais ainda no campo político. Lembrem-se os políticos e os candidatos a cargos públicos eletivos, contudo, de que a recuperação da política passa por eles mesmos: não haverá moralização da política sem a moralização dos políticos. Quando o eleitor os vê apenas como “negociantes do poder” e envolvidos em acusações recíprocas, cresce a confusão em sua cabeça e, facilmente, decide: “Não quero mais saber de política!” Contribuem também para essa confusão a multiplicação de ataques, diretos ou anônimos, e a repetição de acusações, em vez da apresentação de uma plataforma de governo. O triste é que estamos diante de uma chaga que reaparece a cada eleição.
Em resposta a essa situação, a CNBB está se unindo a uma centena de entidades, a fim de conseguir assinaturas para um Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Reforma Política. Essa campanha não está vinculada a nenhum partido político e a nenhum candidato, embora esteja aberta e acolha os bons políticos. Tal Projeto de Lei trata do financiamento de candidatos, propõe a eleição em dois turnos – um para votar num programa o outro para votar numa pessoa -, preconiza o aumento de candidaturas de mulheres e pede a Regulamentação do Artigo 14 da Constituição, com o objetivo de melhorar a participação do povo brasileiro nas decisões mais importantes, por meio do projeto de Lei de Iniciativa Popular, do Plebiscito e do Referendo, mesclando a democracia representativa com a democracia participativa. Para a apresentação dessas propostas é necessário que haja um milhão e quinhentas mil assinaturas.
De minha parte, estou convicto de que, sem uma sincera conversão aos critérios éticos do evangelho, não teremos uma sociedade sadia. O Evangelho é uma mensagem de vida. Toda a vez que a humanidade afastou-se de suas propostas construiu um mundo em que o homem se tornou o lobo do próprio homem. O Salmista expressou isso de forma elevada: “Se o Senhor não constrói a casa, em vão trabalham os que a querem construir” (Sl 126/127,1). Quando, porém, homens e mulheres deixam-se envolver pelos valores que Jesus Cristo veio nos ensinar – por exemplo, a justiça, a fraternidade, a solidariedade, a sinceridade, o amor à verdade, o respeito ao outro etc. –, inúmeras luzes nascem nos céus mais escuros e tenebrosos e se espalham por toda a parte. É que o Evangelho, justamente por ser uma mensagem de vida, é uma mensagem de esperança, nesta tão conturbada terra dos homens.
Dom Murilo S.R. Krieger
Arcebispo de São Salvador da Bahia (BA) e Primaz do Brasil