Aprendemos no Catecismo que Deus é todo poderoso – onipotente, sabe tudo – onisciente – e está em toda parte – onipresente. No entanto, falamos com frequência de casa de Deus, referindo-nos aos templos, reconhecendo que o Senhor, por pura bondade, escolhe lugares que se tornam sinais de sua presença e de sua graça. Assim as nossas Paróquias, Santuários, ou outros templos e espaços sagrados, inclusive dedicados com os ritos previstos pela Igreja, tornam-se convite ao louvor de Deus, ao recolhimento, à celebração dos Santos Mistérios e à vida em comunidade.
O Rei Davi tinha no coração, pela devoção e gratidão amadurecidas no correr dos anos, com as muitas aventuras de graça e de pecado, o desejo de edificar para Deus um Templo. A resposta veio pelo profeta Natan: “Vou preparar um lugar para o meu povo, Israel: eu o implantarei, de modo que possa morar lá sem jamais ser inquietado. Os homens violentos não tornarão a oprimi-lo como outrora, no tempo em que eu estabelecia juízes sobre o meu povo, Israel. Concedo-te uma vida tranquila, livrando-te de todos os teus inimigos. E o Senhor te anuncia que te fará uma casa” (2 Sm 7, 1-16). Deus se antecipa e seu amor paterno e infinito é que prepara uma casa para seu povo. Casa aqui é família, a dinastia nascida de Davi e a certeza do cumprimento das promessas feitas por Deus.
Antes o Senhor se antecipara, pensando o mundo como casa para a humanidade, na criação do universo. O conceito original de ecologia remete a esta ideia de casa, com o necessário equilíbrio de todos os elementos que contribuem para a felicidade das pessoas. Quando nos distanciamos da certeza da criação, com a qual sabemos que o Senhor acompanha a vida humana e não se afasta da obra a nós confiada, surgem os extremismos tão característicos de nosso tempo. De um lado, a casa da humanidade pode ser mal cuidada, e as agressões à natureza pululam por toda parte, com as consequências de todos conhecidas. Nos últimos meses, muitos atribuíram a São Pedro a seca que assolou regiões antes abundantes de chuvas, esquecendo-se de já estamos pagando caro pelo nosso pouco cuidado com a casa da humanidade. Outro desequilíbrio acontece com uma verdadeira divinização da natureza e de suas forças. É que acreditar em Deus Criador e Providente, que tem um plano de amor e um projeto de felicidade para a humanidade, acaba incomodando. É mais fácil fazer de Deus apenas uma energia difusa!
Entretanto, a casa edificada por Deus Criador foi confiada à humanidade, quando a narrativa do Livro do Gênesis (Gn 1-2) mostra a responsabilidade do cuidado da vida entregue aos nossos primeiros pais e a toda a sua descendência, na qual estamos incluídos. E da grande casa comum podemos chegar às casas das pessoas, chamem-se assim ou ganhem outros títulos, dos barracos, taperas, casebres ou choupanas, passando pelas edificações dos projetos habitacionais, ou pela casa construída ou adquirida com tanto esforço pelas famílias, para se tornarem lares acolhedores. Daí se pode chegar a mansões ou palácios. A casa atrai por ser ambiente de intimidade, convivência feita de liberdade, espaço de encontro.
O Anjo Gabriel encontrou a Virgem Maria em sua casa, (Cf. Lc 1, 26-38), certamente um lugar muito simples, pois tudo indica que sua família era gente dos pobres de Javé, um resto que não perdera a esperança no cumprimento das promessas de Deus. Na intimidade de um recinto feito sagrado pela vida da família, entra o emissário do Céu! Casa e templo se confundem de uma forma magnífica, pois ali Deus realizava o que anunciara séculos antes a Davi. E agora, maior do que as expectativas humanas poderiam imaginar, o ventre daquela mocinha de Nazaré se torna o verdadeiro Templo onde Deus habita. Deus não só envia o Messias, mas este é o próprio Filho de Deus que se faz carne! Todas as distâncias entre o Céu e a terra são superadas. A responsabilidade da resposta ao plano de Deus foi confiada a uma adolescente! Cada dia a Igreja recorda este mistério, rezando ao som das badaladas dos sinos do “Angelus”: “O Anjo do Senhor anunciou a Maria, e ela concebeu do Espírito Santo… Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua Palavra… E o Verbo se fez Carne e habitou entre nós”.
De Nazaré o mistério se espalha! Para o nascimento do Menino Jesus, a casa foi um estábulo e o berço uma manjedoura. Pastores e Magos encontram numa cena bucólica aparentemente irrisória de mãe com filho nos braços, a resposta aguardada por séculos, mesmo por aqueles que não tinham dado nome à esperança. Mais tarde durante sua vida pública, o Filho do homem, que não tem onde reclinar a cabeça (Cf. Mt 8, 18-20), entra na casa e na vida das pessoas, especialmente os pobres pecadores, restaura a alegria, consola os sofredores, cura os enfermos, perdoa, salva! Um dia, é na casa de um homem que preparou “uma sala no andar de cima” (Cf. Lc 22, 9-12), no calor amigo de uma refeição pascal, que ele assegura sua presença eucarística! Até que ele venha, a Igreja se reúne para fazer casa aos seus filhos, na força da Palavra e da Eucaristia! De novo aquela sala, feita Cenáculo, foi lugar da oração fervorosa pela vinda do Espírito Santo. Daquela casa saíram às ruas e praças, para levar aos confins da terra o anúncio da salvação.
Não nos é difícil retornar à casa de nossas famílias ou à casa do mundo. Para aguardar e apressar a vinda do dia de Deus (Cf. 2 Pd 3, 11-14), deixemos que o alegre anúncio do Anjo Gabriel a Maria seja dirigido a cada fiel. Ao dar a resposta pessoal, certamente desproporcional à que ofereceu a Virgem Mãe, nasça em nós, no Natal que estamos para celebrar, o compromisso de preparar a casa do coração para que Deus edifique sua morada em nós. Brote um renovado espírito de solidariedade, que nos leve a colaborar para que mais pessoas tenham a casa do teto e do afeto, especialmente os que sofrem mais. Do Presépio de Belém “Casa do Pão” venha a graça da responsabilidade da partilha, para edificarmos o mundo segundo o plano de Deus. O Natal que se aproxima seja Santo e Verdadeiro na vida de todos nós. Para tanto, seja nosso coração casa onde Deus habita!
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará (PA)