Que o Senhor nos dê a memória da “gratuidade” da salvação e da proximidade de Deus e da tangibilidade das obras de misericórdia que quer de nós, sejam elas “materiais ou espirituais”: assim nos tornaremos pessoas que ajudam a “abrir a porta” a nós mesmos e aos outros.
Foi a oração do Papa na missa desta quinta-feira (19/10) na capela da Casa Santa Marta, no Vaticano. Partindo do trecho evangélico do dia (Lc 11,47-54), em que os escribas e fariseus se consideravam justos, e Jesus faz com eles sintam palpavelmente que somente Deus é justo, Francisco explicou porque os doutores da lei tinham “afugentado o conhecimento”, com a “consequência” de eles “não entrarem no Reino nem deixar que os outros entrassem”.
“Esse dissipar a capacidade de entender a revelação de Deus, de entender o coração de Deus, de entender a salvação de Deus – a chave do conhecimento –, podemos dizer que é um grave descuido. Esquece assim a gratuidade da salvação; se esquece a proximidade de Deus e se esquece a misericórdia de Deus. E aqueles que esquecem a gratuidade da salvação, a proximidade de Deus e a sua misericórdia, carregaram a chave do conhecimento”.
Esqueceu-se, portanto, a gratuidade. É “a iniciativa de Deus que nos salva e, ao invés, se colocam da parte da lei”: para eles – disse o Papa – a salvação está aí, na lei, chegando desse modo “a um amontoado de prescrições” que efetivamente se tornam a salvação. Assim, porém, “não recebem a força da justiça de Deus”.
Ao invés, a lei é sempre “uma resposta ao amor gratuito de Deus”, que tomou “a iniciativa” de salvar-nos. E, acrescentou o Santo Padre, “quando se esquece a gratuidade da salvação se cai, se perde a chave da inteligência da história da salvação”, perdendo “o sentido da proximidade de Deus”.
“Para eles Deus é aquele que fez a lei. E esse não é o Deus da revelação. O Deus da revelação é Deus que começou a caminhar conosco a partir de Abraão até Jesus Cristo, Deus que caminha com seu povo. E quando se perde essa relação de proximidade com o Senhor, se cai nessa mentalidade obtusa que acredita na autossuficiência da salvação com o cumprimento da lei. A proximidade de Deus”.
De fato, quando falta a proximidade de Deus, quando falta a oração, evidenciou o Pontífice, “não se pode ensinar a doutrina” e nem mesmo “fazer teologia”, muito menos “teologia moral”. Francisco reiterou que a teologia “se faz de joelhos, sempre perto de Deus”!
E a proximidade do Senhor chega “ao cume de Jesus Cristo crucificado”, sendo que nós fomos “justificados” pelo sangue de Cristo, como diz São Paulo. Por isso, explicou o Papa, as obras de misericórdia “são a pedra de toque do cumprimento da lei”, porque se toca a carne de Cristo, ”tocar Cristo que sofre numa pessoa, seja corporalmente, seja espiritualmente”.
Ademais, Francisco chamou a atenção para o fato que quando se perde a chave do conhecimento, se acaba por chegar até mesmo “à corrupção”. Por fim, o Papa pensou na “responsabilidade” dos pastores, hoje na Igreja: quando perdem ou levam embora “a chave da inteligência”, fechando “a porta para nós e para os outros”.
“Em meu país ouvi muitas vezes acerca de párocos que não batizavam os filhos de jovens mães, porque não tinham nascido no matrimônio canônico. Fechavam a porta, escandalizavam o povo de Deus, por qual motivo? Porque o coração destes párocos tinha perdido a chave do conhecimento. Sem ir tão longe no tempo e no espaço, três meses atrás, num país, numa cidade, uma mãe queria batizar o filho recém-nascido, mas ela era casada civilmente com um divorciado. O pároco disse: “Sim, sim. Batizo a criança. Mas seu marido é divorciado. Fique de fora, não poderá estar presente na cerimônia”. Isso acontece hoje. Os fariseus, os doutores da lei não são coisas daqueles tempos, também hoje existem muitos. Por isso é necessário rezar por nós pastores. Rezar, a fim de que não percamos a chave do conhecimento e não fechemos a porta para nós e para o povo que quer entrar”.
Fonte: Rádio Vaticano.