“Nós estamos mais uma vez diante de uma ação criminosa, que gerou uma tragédia muito grande e, poderíamos dizer, uma tragédia anunciada”. A frase é do frade franciscano Rodrigo Perét, que acompanha, em nome da CNBB, a tragédia de Brumadinho.
O religioso tem atuação nacional e internacional na defesa dos valores humanos relacionados ao meio ambiente, paz e justiça. Ele também integra o Grupo de Trabalho de Mineração da CNBB, que acompanha toda a realidade das mineradoras e da mineração, bem como seus impactos. No Brasil, o religioso integra ainda a Rede Igrejas e Mineração e também faz parte do Serviço Inter-Franciscano de Justiça, Paz e Ecologia (Sinfrajupe).
Logo que soube da tragédia em Brumadinho, o religioso entrou em contato com os responsáveis pelos organismos dos quais participa e se dirigiu imediatamente para a cidade mineira que se localiza na Região Metropolitana de Belo Horizonte, capital do Estado.
Em Brumadinho, Frei Rogério encontrou um quadro de destruição ambiental e uma realidade de dor e tristeza muito grandes. “É muito difícil encontrar uma família que não tenha um parente que teve sua vida ceifada pela lama derramada da Barragem da empresa Vale”, disse em entrevista ao site franciscanos.org. O religioso falou sobre a presença da Igreja, especialmente do bispo auxiliar de Belo Horizonte, Dom Vicente de Paula Ferreira, missionário redentorista que ficou encarregado pela região e por dar amparo e apoio às famílias, especialmente as enlutadas, trabalhando para que tenham o direito de realizar um enterro digno.
Para Frei Rogério, a tragédia de Brumadinho, assim como a de Mariana, não pode ser tratada como acidente, mas como crime ambiental. “Infelizmente, nós estamos mais uma vez diante de uma ação criminosa, que gerou uma tragédia muito grande e, poderíamos dizer, uma tragédia anunciada. Eu gostaria de destacar uma frase do Bispo Auxiliar de Belo Horizonte, Dom Joaquim Mol, proferida por ele numa celebração que houve no sábado, dia 26, um dia depois do ocorrido: ‘Não se trata de um acidente, mas de um crime ambiental e de um homicídio coletivo’. Acho que isso é extremamente importante! A maioria dos óbitos é de trabalhadores. É uma irresponsabilidade da empresa colocar o refeitório e todas as instalações administrativas abaixo à jusante [fluxo normal de um ponto mais alto para um ponto mais baixo] da barragem. Revela um total descaso com a vida humana, porque se sabe da fragilidade das barragens. Em Minas Gerais existem centenas de barragens, das quais mais de cinquenta estão em risco”, pontuou o religioso.
Acompanhando os trabalhos em nome da CNBB, Frei Rogério destaca quatro fatores que levaram à ocorrência de mais uma tragédia que poderia ter sido evitada. O primeiro ponto, segundo ele, é o “modelo consumista, de ganância, no qual se pensa cada vez mais em se obter lucro”.
No segundo ponto, recorda Mariana, para destacar a ausência de rigor no processo de licenciamento ambiental de barragens. “Começou-se a fazer uma discussão de flexibilização e, infelizmente, é essa norma que se vê hoje em dia. Nós tivemos eleições recentemente, o que reforçou muito esta ideia, vendendo uma imagem de que os processos de licenciamento atrasam e dão prejuízo à iniciativa privada, que causam uma série de problemas, atrapalham o desenvolvimento, etc. Falou-se também em enxugar estruturas públicas relacionadas ao meio ambiente, etc. Agora, tudo isso mais uma vez cai por terra. É necessária e urgente uma consolidação para salvar todo o sistema, que vem sendo construído no Brasil há muitos anos, especialmente após a Constituição de 1988. O Sistema de Proteção Ambiental, que garante o Meio Ambiente, conforme insiste o Papa Francisco [Na Encíclica ‘Laudato Si’], de uma maneira integral, garante a vida e garante também o desenvolvimento, mas dentro de outras bases”, reforça.
O controle de certas regiões por grandes empresas é o terceiro ponto destacado pelo religioso. Para Frei Rogério, o poder exercido de uma empresa, como por exemplo a Vale, faz com que ela se “se torne dona do território e as populações ficam à mercê. Isso precisa mudar”, reitera.
“Nós somos um Estado onde se faz mineração há trezentos anos e nunca como nestas últimas décadas tem se destruído tanto, tem se agredido tanto o meio ambiente.” – FREI RODRIGO PERÉT, ATIVISTA
Por fim, o fato da mineração ser considerada de utilidade pública torna o território mais importante que as realidades locais existentes.” É como se o subsolo tivesse mais força do que o solo onde vivemos, onde estão as cidades, os povoados. O Município de Brumadinho agora sofre um prejuízo fantástico. Temos de mudar este modelo predatório que, na verdade, divide com a comunidade os prejuízos, enquanto os lucros são embolsados por grupos muito minoritários. Se fôssemos somar todos os impactos produzidos por esta atividade, veríamos que pagamos um preço muito caro pela mineração e que, deste modo, ela seria praticamente inviável”, enfatiza.
Sobre o que se pode esperar para o futuro de Brumadinho após essa tragédia, Frei Rogério vê um longo processo, onde o Estado e a empresa devem assumir a responsabilidade, além do encaminhamento de propostas efetivas para minimizar tragédias futuras.
“Nós precisamos agora fazer com que as cidades discutam a questão da mineração. Nós somos um Estado onde se faz mineração há trezentos anos e nunca como nestas últimas décadas tem se destruído tanto, tem se agredido tanto o meio ambiente. Além da solidariedade e das orações, são necessárias atitudes concretas e cidadãs para transformarmos este modelo de morte e destruição”, finaliza.
Fonte: Franciscanos.org.