A vida fascinante de Margery Kempe pode inspirar mulheres modernas a lidar com doenças mentais e buscar a cura
Conheci mães que tiveram depressão pós-parto. Elas ficaram tão deprimidas que, fisicamente, pareciam incapazes de cuidar dos filhos recém-nascidos.
Isso criava nelas um sentimento esmagador de fracasso. Além de sofrer de intensa depressão pós-parto, o que já é ruim, elas sofriam de uma sensação aguda de que não conseguiriam nunca cuidar dos filhos. Imagino que o fardo psicológico seja enorme.
Obviamente, não sou mãe, mas já estive deprimido antes. E houve dias em que mal conseguia cuidar de mim mesmo. Eu não conseguia nem imaginar ter que cuidar de outra pessoa durante aqueles momentos sombrios. É difícil explicar como é, mas é verdadeiramente debilitante. Mesmo que a depressão não seja uma lesão que possa ser vista de fora, é muito real. Ao mesmo tempo, uma pessoa que sofre de depressão não pode deixar de sentir que está decepcionando a si mesma e aos outros, o que aumenta a angústia.
Depressão pós-parto: uma doença antiga
A depressão pós-parto é grave e afeta cerca de 15% das mulheres em todo o mundo. A doença existe desde o início dos tempos.
Um amigo me contou recentemente sobre Margery Kempe, uma mulher inglesa que viveu na virada do século 15 e, aparentemente, teve depressão após o nascimento de seu primeiro filho.
Claro que um diagnóstico de depressão não existia na época. Mas temos pistas sobre a vida dela que nos levam a crer nisso.
Margery, mais tarde, se tornou conhecida por suas visões espirituais. Ela descreveu suas visões de Cristo no livro The Book of Margery Kempe. Nele, relata que, quando jovem, viveu uma vida bastante normal. Ela era de classe média, interessada em moda e se casou com John Kempe, um homem que a tratava com gentileza.
Entretanto, tudo mudou com o nascimento de seu primeiro filho. Ela se lembra que, durante a gravidez, experimentou “uma grande doença corporal, pela qual perdeu a razão por muito tempo…” Ela continua dizendo que “teve ataques graves da doença até o nascimento da criança”. O parto a deixou tão fraca que ela pensou que não conseguiria sobreviver. Mas ela acabou se recuperando muito bem e parecia estar bem fisicamente. Entretanto, é aí que sua história fica fora de controle.
Pensamentos depressivos
Margery sempre teve uma definição depressiva de si mesma. Pensava que merecia morrer e ir para o inferno por causa de pecados secretos não confessados. Após o nascimento de seu filho, seu estado mental deteriorou-se rapidamente. Ela diz sobre si mesma: “esta criatura enlouqueceu e ficou surpreendentemente perturbada e atormentada por espíritos por meio ano, oito semanas e dias estranhos”.
Ela teve uma visão do diabo, que lhe disse para abandonar sua fé, família, amigos, esperança no céu e autoestima. Embora nunca tenha tentado o suicídio, ou pelo menos nunca tenha dito isso, ela começou a mutilar o corpo, rasgando a pele perto do coração com as unhas.
Olhando para a descrição de sua experiência, é difícil dizer se ela sofreu de depressão pós-parto clínica ou, talvez, a ainda mais rara e pior psicose pós-parto. É claro, porém, que a gravidez desencadeou algo nela.
Como superar a depressão pós-parto
A depressão, em minha experiência, deve ser tratada de duas maneiras simultâneas. A primeira é com a ajuda de profissionais médicos, que podem dispensar medicamentos adequados e aconselhar sobre nutrição e terapia profissional. Margery não tinha nenhum desses recursos. Então, ela ficou com apenas o segundo caminho, que é mais pessoal.
Este caminho trata de como a pessoa reage ao viver com depressão. Para alguns, há períodos em que a vida inevitavelmente para. Mas, na maioria das vezes, é possível viver funcionalmente com a depressão – e há maneiras de controlá-la e até mesmo de se mover lentamente em direção à recuperação.
Após o início de sua depressão, Margery nunca recuperou sua saúde mental anterior. Ela tinha um relacionamento físico estranho com o marido, chorava com muita frequência e continuava a ter visões místicas. Mas ela teve mais filhos e uma vida familiar feliz. Como conseguiu? Assumindo algumas atitudes e valorizando valores e virtudes, como:
1) Autoconhecimento
Margery fez um exame de toda a sua vida e foi ao padre da sua paróquia para se confessar. Ela havia evitado a confissão, pensando que, “enquanto ela estava com boa saúde, ela não precisava confessar.”
É útil desenvolver um autoconhecimento preciso. Principalmente porque a depressão conta mentiras. A honestidade é o primeiro passo para a cura.
2) Honestidade emocional
A honestidade se estende a reconhecer e aceitar a maneira como você se sente. Margery estava mais do que disposta a expressar suas emoções. Nem todos a apoiava, mas ela não se desculpava. Quando ela estava lutando, não escondia.
3) Amor de Deus
Os vizinhos de Margery gostavam de fofocar sobre ela. Frequentemente, as pessoas não entendem a depressão e consideram pessoas como ela preguiçosas ou irracionais. Nessas horas, ela sempre se lembrava do amor de Deus, que nunca vacila.
4) Amizade
Em vez de absorver a negatividade daqueles que fofocavam sobre ela, a mística buscava o consolo e os conselhos dos amigos sábios e pacientes. Ela, “falava com muitos anacoretas”. Anacoretas, como sua amiga Julian de Norwich, eram mulheres que dedicaram suas vidas à sabedoria espiritual e à oração.
Esses são exatamente o tipo de amigos de que uma pessoa deprimida precisa. É uma doença que isola, mas estar constantemente sozinho torna tudo ainda pior.
5) Caridade
Margery ditou um livro para compartilhar sua experiência. Ao longo dos séculos, este livro foi muito útil para outras pessoas que se encontravam em situações semelhantes. O apoio mútuo e a empatia são fundamentais.
Portanto, se você sofre de depressão pós-parto, é importante deixar claro: você não é um fracasso. Você é e será uma mãe maravilhosa. Margery é um belo exemplo de mãe que, embora sua vida não tenha sido fácil, proporcionou uma enorme alegria, sabedoria e amor para sua família e para o mundo.
Fonte: Aleteia