A última Grande Guerra terminou em 1945, mas desde então, os focos de lutas e ódios não foram extintos totalmente. Sabe-se do troar dos canhões, em várias partes do mundo, com um rastro de sangue, sofrimentos e luto.
No entanto, a paz é a grande aspiração de cada pessoa e sua ausência é sinônimo de todos os males. As lutas armadas continuam; às vezes, aparecem nas páginas dos jornais, nos noticiários, quando não permanecem no esquecimento. Nestes casos, o silêncio acoberta os horrores do que é divulgado nos meios de comunicação social.
Há um outro aspecto desse mal: ele atinge as famílias e o íntimo do indivíduo. Num lar dividido, a convivência hostil é uma enfermidade dolorosa e expressa uma síntese do entrechoque existente entre nações ou nas guerrilhas, dentro de um país. O mesmo se diga de cada um de nós, quando a consciência recrimina os desvios cometidos, e o sentimento doloroso daí decorrente, se não leva à morte do corpo, poderá acarretar a perda do bom relacionamento com Deus.
Em qualquer dessas situações há sempre a inexistência da paz. E esta não se identifica com a mera ausência de atrito entre os povos e as pessoas – ou mesmo com Deus – pois, em vez de ser simplesmente a antítese da guerra, é a plenitude do bem.
Por isso, na raiz mais profunda dos conflitos, em seus diversos escalões, está a injustiça. Esta pode ocorrer em relação a Deus, pelo pecado; e com o próximo, nos litígios não superados pela magnanimidade e compreensão mútua. E especialmente entre os povos, motivada pelo egoísmo; este inclui o anseio do poder, da ampliação das riquezas materiais sem critérios éticos, a posse de bens sempre maiores para o usufruto individual. A fome, a doença, mesmo a miséria extrema em tantas regiões do Terceiro Mundo nem sempre sensibilizam os que vivem nos países ricos. Em vez de restringir o supérfluo, para atender às necessidades dos outros, lutam com todas as armas – honestas ou não – para reduzir a população, que, pelo número de indivíduos, pode constituir um perigo ao usufruto tranqüilo dos bens, por parte de uma minoria. Pensemos, honestamente, se não é este o motivo.
Essas mesmas considerações, devidamente adaptadas, valem para os problemas da pessoa em sua consciência, como para os atritos no seio das famílias, quer entre os esposos, quer entre pais e filhos. Deixados sem uma adequada correção, levam à ruptura, com maléficas conseqüências, desfazendo lares.
Em todo o mundo celebra-se este Dia Mundial da Paz. Este 2009, o Santo Padre Bento XVI, recordando o ensinamento do antecessor João Paulo II, na mensagem para o Dia da Paz de 1993, destaca: “A pobreza encontra-se freqüentemente entre os fatores que favorecem ou agravam os conflitos, mesmo os conflitos armados. Estes últimos, por sua vez, alimentam trágicas situações de pobreza. Trata-se de um problema que se impõe à consciência da humanidade, visto que as condições em que se encontra um grande número de pessoas são tais que ofendem a sua dignidade natural e, conseqüentemente, comprometem o autêntico e harmônico progresso da comunidade mundial”.
Ensina o Papa Bento XVI: “A pobreza aparece muitas vezes associada, como se fosse sua causa, com o desenvolvimento demográfico. Em conseqüência disso, realizam-se campanhas de redução da natalidade, promovidas a nível internacional, até com métodos que não respeitam a dignidade da mulher nem o direito dos esposos a decidirem responsavelmente o número dos filhos e que muitas vezes – fato ainda mais grave – não respeitam sequer o direito à vida (…). Além disso, dentre as nações que mais se desenvolveram, aquelas que detêm maiores índices de natalidade gozam de melhores potencialidades de progresso. Por outras palavras, a população confirma-se como uma riqueza e não como um fator de pobreza”.
“Outro âmbito de preocupação são as pandemias como, por exemplo, a malária, a tuberculose e a Aids, pois, na medida em que atingem os setores produtivos da população, influem enormemente no agravamento das condições gerais do país. Além disso, há a chantagem por parte de quem condiciona a ajuda econômica à atuação de políticas contrárias à vida. Com relação à Aids, dramática causa de pobreza, é difícil combatê-la se não se enfrentarem as problemáticas morais associadas com a difusão do vírus. É preciso, antes de tudo, fomentar campanhas que eduquem, especialmente os jovens, para uma sexualidade plenamente respeitadora da dignidade da pessoa; iniciativas realizadas nesta linha já deram frutos significativos, fazendo diminuir a difusão da Aids”.
No Dia Mundial da Paz, o Santo Padre chama a atenção para a relação entre o desarmamento e o progresso. Os recursos poupados poderão ser destinados para projetos de desenvolvimento das pessoas e dos povos.
Um outro aspecto da luta contra a pobreza material diz respeito à crise alimentar atual que põe em perigo a satisfação das necessidades de base.
Em sua mensagem por ocasião do Ano Novo, o Santo Padre Bento XVI assim se expressa: “A cada discípulo de Cristo, bem como a toda a pessoa de boa vontade, dirijo, no início de um novo ano, um caloroso convite a alargar o coração às necessidades dos pobres e a fazer tudo o que lhe for concretamente possível para ir em seu socorro. De fato, aparece como indiscutivelmente verdadeiro o axioma ‘combater a pobreza é construir a paz’”.
Dom Eugenio Sales
Arcebispo Emérito do Rio