No dia 2 de fevereiro, a Igreja celebra a Apresentação de Jesus no Templo e também o Dia Mundial da Vida Consagrada. O arcebispo de Porto Alegre e presidente da Comissão para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada, dom Jaime Spengler concedeu entrevista exclusiva ao portal da CNBB sobre a data e deixou uma mensagem especial a todos os consagrados. Na ocasião, dom Jaime confessou que expressar reconhecimento pela obra de evangelização realizada pelos consagrados e consagradas ainda é pouco diante de tantas inciativas e frentes alçadas em distintas regiões do Brasil.
Confira a entrevista na íntegra:
Dom Jaime, no contexto sociocultural em que vivemos, qual é o papel dos membros da vida consagrada?
A missão dos consagrados e consagradas é ser testemunhas do Reino de Deus, anunciado por Jesus. Através da profissão dos conselhos evangélicos os consagrados e consagradas escolheram e abraçaram um caminho especial de seguimento de Cristo, para se dedicarem a Ele e à causa do Reino por Ele anunciado de coração indiviso.
As pessoas que abraçam a Vida Consagrada deixam tudo para estar com Cristo e colocar-se, como Ele, ao serviço de Deus e dos irmãos e irmãs. A história da Igreja do Brasil é marcada pelo testemunho de uma miríade de consagrados/as. Quanto bem se fez e se faz através do empenho e dedicação de mulheres e homens que assumiram e assumem o Evangelho como regra de vida!
Expressar reconhecimento e gratidão por todo bem realizado em prol da obra da evangelização entre nós por esta parcela particular da comunidade de fé é pouco diante de tantas iniciativas, de tantas frentes de evangelização em distintas regiões de nosso imenso território.
A pastoral vocacional se tornou prioritária neste novo momento da história da evangelização?
A pastoral vocacional tem a tarefa de apresentar à comunidade de fé a beleza e dignidade da consagração através da profissão dos conselhos evangélicos. Ela é desafiada a propor às novas gerações esse estilo de vida na sua radicalidade e simplicidade.
No entanto, a melhor forma de promover a vida consagrada não consiste na criação de metodologias, organização, planejamento e estratégias. Isto é também necessário. Contudo, decisivo é o testemunho de vida de cada consagrado e de cada comunidade de vida consagrada. Há um ditado que diz o seguinte: “as palavras convencem, mas os exemplos arrastam”. O exemplo de vida comunitária, baseado no princípio da ‘mesa comum, caixa comum, capela comum’ e sustentado por uma vida autenticamente fraterna, onde cada membro da fraternidade cuida do outro e se deixa também cuidar pelo outro, onde as tarefas são assumidas em fraternidade, onde se faz sentir a alegria do Evangelho, na simplicidade e na generosidade, ali implicitamente se promove vocações. Onde o senso de pertença à família religiosa se faz sentir e a corresponsabilidade é visível se manifesta também o desejo de outros de participar da forma de vida.
São Paulo VI usou uma expressão muito bela e que, de algum modo, continua tendo valência em nossos dias: “O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas”. Não podemos esquecer que o primeiro mandamento do Senhor ao falar de operários para a vinha é rezar; “Pedi ao Senhor da messe que envie operários para a sua messe”. Será que em nossas comunidades religiosas, em nossas Paróquias estamos rezando pelas vocações à Vida Consagrada? Como rezamos?
Um outro aspecto que merece destaque quando falamos de pastoral vocacional diz da necessidade de falar bem uns dos outros; falarmos bem de nossas fraternidades; ou seja, apresentar a comunidade ou a fraternidade com lugar de convívio sadio, engajado, alegre. É verdade que nossas casas não são, por vezes, um ‘paraíso’. No entanto, é ‘minha casa’, são’ meus irmãos, minhas irmãs’ – dons do Senhor! Não é raro encontrar fragilidades de todo o tipo, omissões, conformismo. Este dado oferece a chance para um ainda maior engajamento pessoal, com o intuito de ali promover a forma de vida, o Evangelho.
Qual mensagem deixaria aos consagrados neste dia dedicado a eles?
A Vida Consagrada, a partir dos seus múltiplos carismas, precisa avançar no tempo, tendo um olho no Evangelho e o outro na realidade histórico-social na qual se encontra inserida. Disto depende também o profetismo característico da forma de vida.
O Papa Francisco dizia recentemente que “parece ter-se instalado nas nossas comunidades uma espécie subtil de cansaço (…) Trata-se duma tentação que poderíamos chamar o cansaço da esperança (…) Um cansaço que nasce ao olhar o futuro quando a realidade me cai em cima pondo em questão as forças, os recursos e a viabilidade da missão neste mundo, que não cessa de mudar e interpelar”.
De fato, o mundo não cessa de mudar e nos interpelar. É justamente neste momento histórico que a Vida Consagrada não deve temer realizar uma autocrítica, avaliar as formas de atuação e, talvez, se refundar, delineando novas formas de atuação em, talvez, outros contextos. Refundar não no sentido de voltar atrás para um passado que não mais existe, mas de, com discernimento e determinação, colher os desafios que o mundo hoje apresenta à Vida Consagrada. Também não se trata de adaptar-se à mentalidade do mundo, mas de resgatar os princípios basilares da Vida Consagrada, compreender o que significa ser sinal de contradição e lançar-se corajosamente na tarefa de anunciar e testemunhar ao mundo que o Evangelho é vida e vida em plenitude; que a Vida Consagrada vale a pena, que é caminho de realização e felicidade.
Não podemos ter medo! O Senhor prometeu estar com os seus todos os dias até o final dos tempos. As contradições que encontramos e as fragilidades que se fazem sentir são condição para avançar com ainda maior determinação no caminho proposto e assumido. Vale a pena, talvez, aqui recordar o que dizia D. Helder Câmara: “Quando os problemas se tornam absurdos, os desafios se tornam apaixonantes”.
É preciso sempre e de novo voltar a Jesus e seu Evangelho. O Evangelho é apaixonante. Por isso, o consagrado/a não deve ter receio ou medo de dizer a quem encontra que ‘gosta do que é e ama o que faz’.
Fonte: CNBB.