Há algumas décadas o transplante de órgãos tornou-se uma especialidade médica, introduzida em praticamente todo o mundo com notáveis resultados. Essa prática parte do princípio de que o uso de órgãos de um cadáver, desde que seja para uma pessoa viva, tem a sua justificação lógica e moral, uma vez que o direito à vida é mais importante que a morte.
A Igreja se pronunciou favoravelmente na medida em que tal atitude significa um dom aos irmãos mais necessitados. Já em 1956 o Papa Pio XII dizia: “É preciso educar o povo e explicar-lhe inteligente e respeitosamente que consentir expressa ou tacitamente danos reais para a integridade do cadáver, em prol daqueles que sofrem, não ofende a piedade devida ao defunto, uma vez que haja para tal razões legítimas”. João Paulo II, por ocasião do XVIII Congresso Internacional da Sociedade de Transplantes, em 22 de agosto de 2000, afirmou: “Os transplantes são uma grande conquista da ciência ao serviço do homem e nos nossos dias não são poucos aqueles que devem a própria vida ao transplante de um órgão. Portanto, a técnica dos transplantes revela-se cada vez mais como um instrumento precioso na consecução da finalidade primária de toda a medicina: o serviço à vida humana. Por essa razão, na Carta Encíclica Evangelium vitae recordei que, entre os gestos que concorrem para alimentar uma autêntica cultura da vida, ‘merece particular apreço a doação de órgãos feita, segundo formas eticamente aceitáveis, para oferecer uma possibilidade de saúde e até de vida a doentes, por vezes já sem esperança’” (n. 86).
Portanto, a única condição é a de respeitar de modo absoluto a liberdade e a consciência do doador sem prejudicá-lo em nada.
Em contrapartida, a escassez de doadores obriga a custosos tratamentos para algumas enfermidades. Assim, por exemplo, em nível mundial, 80% dos enfermos renais não possuem dinheiro suficiente para uma diálise. Muitos perdem a vida esperando algum doador. Esses fatos demonstram a urgência de que todos tomem consciência da importância da doação de órgãos.
Além disso, têm acontecido vários casos de negligência culposa ou deliberada contra a integridade das pessoas. Trata-se do chamado “turismo dos transplantes”: doentes de países ricos que viajam para o terceiro mundo (Índia, Tailândia…), conseguindo aí doadores de órgãos a preços baixos. Existem estimativas mostrando que daqui a alguns anos a maioria dos pobres da Índia terá somente um rim. Na América Latina são conhecidos os casos de tráfico de órgãos, chegando ao sequestro de crianças e jovens, especialmente do Paraguai e do Brasil.
Mesmo diante desses problemas, não se pode perder de vista o valor positivo e solidário da doação livre e consciente de órgãos, especialmente depois da morte.
Depoimento de uma pessoa que voltou a viver
“A doação de córnea, na minha concepção, não deveria ser um direito, e sim uma obrigação. E não só a córnea, mas qualquer órgão. Por que não permitir que uma pessoa possa enxergar, se já não mais vamos utilizar o órgão quando falecemos? Por que não dar o direito a alguém poder ver como a vida é bela? Poder viver. Poder continuar a caminhada que o doador não pode, talvez porque o Altíssimo assim quis!
É muito difícil relatar o sofrimento de alguém que não enxerga mais e sentir que, pouco a pouco, vai perdendo a visão, esta vai piorando e perceber a dificuldade de ler e de dirigir. No meu caso, o dia era noite. E, assim, como era difícil e impossível dirigir, pois a visão ficava turva, eu não tinha nenhum reflexo. Mas o inferno em que eu vivia, a noite que me envolvia, só eu, Deus meu, conhecia. Eu era uma moça triste, solitária, apesar de bem casada.
Até a minha vida cultural estava profundamente afetada, pois a cinema não ia mais, nem a vídeo assistia, já que, com a distância, a minha visão era só de 20%, enquanto depois da cirurgia, a mesma já alcançou a margem de 80% com tendência a atingir 100%. E graças ao transplante de córnea posso dizer que sou uma pessoa feliz e que acredita no ser humano, pois graças à pessoa que doou a córnea pude voltar a enxergar e ver com os meus próprios olhos como a vida é bela, e que sempre se deve acreditar no próximo. Hoje, voltei a ser alegre.”
Dica de leitura: O livro “Católico pode ou não pode? Por quê?” do padre Alberto Gambarini surgiu como uma resposta a centenas de cartas enviadas por católicos sedentos por conhecer melhor a posição da Igreja diante de alguns temas polêmicos. O católico sincero deseja viver de modo coerente a sua fé. Estas páginas são dirigidas a essas pessoas. Não existe o propósito de atacar a crença de ninguém, somente examinar tudo à luz da Sagrada Escritura e da Doutrina católica.