Por Padre Fernando Néstor Gioia Otero
Na noite de 14 para 15 de abril de 1912, o maior e mais luxuoso transatlântico até então construído fazia sua viagem inaugural. Com quase duzentos e setenta metros de comprimento e trinta de largura, levava a bordo cerca de duas mil e duzentas pessoas, entre passageiros e tripulantes. Entretanto, nunca chegou a alcançar seu destino. O choque contra um enorme iceberg o fez afundar em menos de três horas. Estima-se em mais de mil e quinhentos o número de mortos.
O naufrágio do Titanic acabou sendo o mais famoso da História. Livros, filmes e canções recordaram este trágico acontecimento, ao mesmo tempo triste e cheio de ensinamentos. Museus e exposições apresentam aos visitantes objetos recuperados depois de 1985, quando ele foi localizado a quase quatro mil metros de profundidade. Um longa-metragem baseado na sua história obteve um dos maiores sucessos de bilheteria de todos os tempos.
Decorridos cento e cinco anos, a grande catástrofe não caiu no esquecimento, e a lembrança do ocorrido proporciona valiosas lições a respeito de um estado de espírito frequente nos nossos dias: considerar “inafundável” aquilo que, pouco depois, acaba por afundar-se.
Recordemos, com esse objetivo, alguns aspectos dessa tragédia:
Era realmente um navio insubmergível?
Quando o Titanic fez sua viagem inaugural, a Europa vivia tempos de despreocupação, prazer e alegria. Por se tratar de um tão prestigioso navio, encontravam-se entre os passageiros da primeira classe membros da nobreza, artistas de diversos países e riquíssimos empresários. Nos camarotes, salões e restaurantes, tinham à sua disposição o que podia haver de mais suntuoso. A embarcação contava também com salas de jogo, banhos turcos, ginásio e até uma quadra de squash.
Teria mesmo sido dado ao imponente transatlântico o blasfemo lema A este nem Deus afunda? A maior parte dos historiadores o nega, não falta quem o afirme, mas, como adiante se verá, tudo se passou como se ele fosse de fato considerado insubmergível.
No próprio dia do choque com o iceberg estava programado para se realizar um treinamento para emergências, mas este foi cancelado, talvez por otimismo do capitão. O incêndio de um dos depósitos de carvão, que começara antes da partida de Southampton, não parece ter preocupado excessivamente os tripulantes, e as mensagens de alerta sobre o perigoso estado do mar que começaram a chegar a partir do dia 12 não tiveram maior influência na navegação.
Ignoradas todas as mensagens de alerta
No anoitecer do dia 14, o céu estava sereno e o mar tranquilo. A orquestra tocava num ambiente de festa e despreocupação. O mais completo otimismo reinava no Café Parisien e demais ambientes do gigantesco transatlântico.
Enquanto isso, o Californian, que navegava nas proximidades do Titanic, telegrafava novos sinais de alerta: “icebergs no mar”. Ninguém deu importância. Pouco depois, outro navio advertia: “massas de gelo deslocando-se”. O oficial de turno transmitiu a mensagem ao comandante, o qual foi levá-la ao diretor da empresa de navegação. Este, que passeava com duas senhoras pelo convés, recebeu o aviso e prosseguiu sua caminhada.
Na hora do jantar, os restaurantes regurgitavam. Nesse ínterim, chegaram mais três mensagens de alerta, assinalando a proximidade de grandes icebergs. Às vinte e duas horas, o capitão retirou-se para iniciar o tranquilo sono de quem considera impossível que seu navio afunde. Aos poucos os passageiros se recolhiam, apagavam-se as luzes dos salões e camarotes. Enquanto isso, os blocos de gelo se acercavam.
Às vinte e três horas e quarenta minutos, o vigia da gávea viu diante do navio o iceberg fatal e fez soar os alarmes. O oficial de turno deu as ordens necessárias para evitar a colisão, mas… era tarde. O choque produziu um rombo de noventa metros no lado direito da nave, por onde entrava água em quantidade incontrolável. O Titanic parou bruscamente. Enquanto vários tripulantes percebiam que a ferida era mortal, numerosos passageiros, alguns jogando, outros fumando, sentiram o golpe e viram a imensa massa de gelo, mas continuaram tranquilos.
O Titanic não pode afundar!
Alguns passageiros surgiram dos camarotes curiosos de saber o que se passava, alguns já com os pés molhados. Mesmo assim, não se davam conta de que o barco estava afundando. Por quê? Simplesmente porque… o Titanic era insubmergível. Afinal, como poderia sofrer naufrágio um navio daquele porte, numa noite calma e bela como aquela? Esta era a mentalidade dos passageiros, reflexo da mentalidade da época.
Ao se tornar evidente a gravidade dos danos, os telegrafistas começaram a enviar sinais de socorro, enquanto a tripulação preparava os botes salva-vidas. Os passageiros não sabiam como proceder em emergências como esta. Dir-se-ia que tais barcos haviam sido colocados apenas para efeitos decorativos…
Quando o navio começou a inclinar-se, alguns passageiros entraram em pânico, outros continuaram se divertindo. A orquestra deslocou-se para a parte externa, onde os acordes de sua música misturavam-se com os gritos de ordem para entrar nos botes de salvamento.
A maioria deles se afastava com lotação incompleta. Um que tinha capacidade para sessenta e cinco pessoas levava apenas vinte e oito. Apesar das evidências em contrário, permanecia na mente de muitos passageiros a ideia fixa: o Titanic não pode afundar.
Haviam construído sua casa sobre areia
A água continuava a subir, mas a orquestra não detinha sua música. Pouco depois das duas horas, os homens começaram a se lançar ao mar, tomados pelo desespero. Vinte minutos depois, o maior transatlântico do mundo desaparecia no oceano.
Algumas centenas de passageiros e tripulantes pereceram sepultados no interior do casco; outros desfaleceram de hipotermia nas águas geladas do Atlântico, a poucos graus abaixo de zero. Apenas setecentas pessoas, menos da terça parte dos que iam a bordo, conseguiram salvar a vida.
O otimismo e o espírito laicista da Belle Époque haviam lhes ludibriado. A confiança daqueles homens repousava na força e perícia dos técnicos. Seus ouvidos estavam fechados à virtude da prudência. Quiseram pôr de lado Aquele que mede o mar no côncavo da mão e o céu com seus dedos abertos (cf. Is 40, 12). Em suma, foram insensatos, construíram a casa sobre areia (cf. Mt 7, 26).
No 105º aniversário do naufrágio do Titanic, não sejamos como eles. Tenhamos uma atitude diametralmente oposta, de vigilância, humildade e prudência. Ouçamos a Palavra de Deus, procuremos pô-la em prática, e assim, por muito fortes que sejam as chuvas e os ventos, nossa casa não cairá. Ela estará edificada sobre a rocha (cf. Mt 7, 24-25).
Fonte: Gaudium Press