Em discurso no Iraque, o Papa condenou firmemente toda forma de violência, terrorismo e ódio: “hostilidade, extremismo e violência não nascem dum ânimo religioso: são traições da religião”
No encontro inter-religioso na Planície de Ur, no Iraque, o Papa disse:
A partir deste lugar fontal da fé, da terra do nosso pai Abraão, afirmamos que Deus é misericordioso e que a ofensa mais blasfema é profanar o seu nome odiando o irmão. Hostilidade, extremismo e violência não nascem dum ânimo religioso: são traições da religião.
Perigo do ódio
Segundo Francisco, os crentes em Deus não podem ficar calados quando o terrorismo abusa da religião, pois “cabe a nós dissipar com clareza os mal-entendidos”.
Não permitamos que a luz do Céu seja ocultada pelas nuvens do ódio! Sobre este país, acumularam-se as nuvens negras do terrorismo, da guerra e da violência. Com isso, sofreram todas as comunidades étnicas e religiosas; de modo particular quero recordar a comunidade yazidi, que chorou a morte de muitos homens e viu milhares de mulheres, donzelas e crianças raptadas, vendidas como escravas e sujeitas a violências físicas e conversões forçadas.
Hoje rezamos por todas as vítimas de tais sofrimentos, por quantos ainda estão dispersos e sequestrados para que regressem brevemente às suas casas. E rezamos para que em toda a parte se respeitem e reconheçam a liberdade de consciência e a liberdade religiosa: são direitos fundamentais, porque tornam o homem livre para contemplar o Céu para o qual foi criado.
Construir amizades sobre as ruínas do ódio
O Papa afirmou que o terrorismo destruiu barbaramente, no Iraque, parte do seu maravilhoso património religioso, incluindo igrejas, mosteiros e lugares de culto de várias comunidades.
Mas, mesmo naquele momento escuro, brilharam estrelas. Penso nos jovens voluntários muçulmanos de Mossul, que ajudaram a refazer igrejas e mosteiros, construindo amizades fraternas sobre as ruínas do ódio, e penso nos cristãos e muçulmanos que hoje restauram conjuntamente mesquitas e igrejas.
Francisco enfatizou a importância de peregrinar rumo aos lugares sagrados: “é o sinal mais belo da saudade do Céu na terra”. “Por isso, amar e preservar os lugares sagrados é uma necessidade existencial em memória do nosso pai Abraão, que em vários lugares ergueu para o céu altares ao Senhor”.
Pandemia e o risco do “salve-se quem puder”
Em seguida, o Papa abordou o tema da pandemia, que nos fez “compreender que ninguém se salva sozinho”: “mas volta sempre a tentação de nos distanciarmos dos outros”.
Todavia «o princípio “salve-se quem puder” traduzir-se-á rapidamente no lema “todos contra todos”, e isso será pior que uma pandemia. Nas tormentas que estamos a atravessar, não nos salvará o isolamento, não nos salvarão a corrida armamentista e a construção de muros, que aliás nos tornarão cada vez mais distantes e irados. Não nos salvará a idolatria do dinheiro, que nos fecha em nós mesmos e provoca abismos de desigualdade onde se afunda a humanidade. Não nos salvará o consumismo, que anestesia a mente e paralisa o coração.
O Papa explicou que o caminho que o Céu aponta para o nosso percurso é outro: é o caminho da paz.
E este requer, sobretudo na tormenta, que rememos juntos na mesma direção. É indigno que, enquanto todos somos provados pela crise pandêmica, e especialmente aqui onde os conflitos causaram tanta miséria, alguém pense avidamente nos seus negócios. Não haverá paz sem partilha e acolhimento, sem uma justiça que assegure equidade e promoção para todos, a começar pelos mais frágeis. Não haverá paz sem povos que estendam a mão a outros povos. Não haverá paz enquanto se olhar os outros como um «eles», e não como um «nós». Não haverá paz enquanto as alianças forem contra alguém, porque as alianças de uns contra os outros só aumentam as divisões. A paz não exige vencedores nem vencidos, mas irmãos e irmãs que, não obstante as incompreensões e as feridas do passado, passem do conflito à unidade.
Onde começa o caminho da paz
Então – prosseguiu o Papa – onde pode começar o caminho da paz?
Da renúncia a ter inimigos. Quem tem a coragem de olhar as estrelas, quem acredita em Deus, não tem inimigos para combater. Tem apenas um inimigo a enfrentar, que está à porta do coração e insiste para entrar: é a inimizade. Enquanto alguns procuram mais ter inimigos do que ser amigos, enquanto muitos buscam o próprio benefício à custa de outros, quem olha as estrelas da promessa, quem segue os caminhos de Deus não pode ser contra ninguém, mas por todos; não pode justificar qualquer forma de imposição, opressão e prevaricação, não se pode comportar de modo agressivo.
“Cabe a nós, a humanidade de hoje e principalmente os crentes das diferentes religiões, transformar os instrumentos do ódio em instrumentos de paz”, enfatizou o Papa Francisco.
Cabe a nós instar fortemente os responsáveis das nações para que a proliferação crescente de armas ceda o lugar à distribuição de alimentos para todos. Cabe a nós fazer calar as mútuas acusações para dar voz ao grito dos oprimidos e descartados no planeta: muitos estão privados de pão, remédios, instrução, direitos e dignidade. Cabe a nós colocar à luz do dia as foscas manobras que giram à volta do dinheiro e pedir com veemência que o dinheiro não acabe sempre e só por nutrir a desenfreada comodidade de poucos. Cabe a nós salvaguardar a casa comum das nossas ambições predatórias. Cabe a nós lembrar ao mundo que a vida humana vale pelo que é e não pelo que tem, e que a vida de nascituros, idosos, migrantes, homens e mulheres de todas as cores e nacionalidades é sempre sagrada e conta como a de todos os outros.
Oração
Ao final do discurso do Papa, os presentes ouviram a Oração dos Filhos de Abraão:
Deus Todo-Poderoso, nosso Criador, que amais a família humana e tudo o que as vossas mãos fizeram, nós, filhos e filhas de Abraão pertencentes ao Judaísmo, ao Cristianismo e ao Islão, juntamente com os demais crentes e todas as pessoas de boa vontade, agradecemo-Vos por nos terdes dado como pai comum na fé Abraão, filho insigne desta nobre e amada terra.
Agradecemo-Vos pelo seu exemplo de homem de fé que Vos obedeceu completamente, deixando a sua família, a sua tribo e a sua pátria a fim de ir para uma terra que não conhecia.
Agradecemo-Vos também pelo exemplo de coragem, resiliência e força de ânimo, generosidade e hospitalidade que nos deu o nosso pai comum na fé.
Agradecemo-Vos particularmente pela sua fé heroica, demonstrada na disponibilidade em sacrificar o próprio filho para obedecer à vossa ordem. Sabemos que era uma prova muito difícil, da qual todavia saiu vitorioso, porque confiou sem reservas em Vós, que sois misericordioso e sempre abris novas possibilidades para recomeçar.
Agradecemo-Vos porque, abençoando o nosso pai Abraão, fizestes dele uma bênção para todos os povos.
Pedimo-Vos, Deus do nosso pai Abraão e nosso Deus, que nos concedais uma fé forte, operosa no bem, uma fé que abra os nossos corações a Vós e a todos os nossos irmãos e irmãs; e uma esperança irreprimível, capaz de em tudo vislumbrar a fidelidade das vossas promessas.
Fazei de cada um de nós uma testemunha do vosso cuidado amoroso por todos, especialmente os refugiados e os deslocados, as viúvas e os órfãos, os pobres e os doentes.
Abri os nossos corações ao perdão recíproco, tornando-nos instrumentos de reconciliação, construtores duma sociedade mais justa e fraterna.
Acolhei na vossa morada de paz e luz todos os defuntos, de modo particular as vítimas da violência e das guerras.
Assisti as autoridades civis na busca e localização das pessoas sequestradas e na proteção especial das mulheres e crianças.
Ajudai-nos a cuidar da terra, a casa comum que, na vossa bondade e generosidade, destes a todos nós.
Sustentai as nossas mãos na reconstrução deste país e dai-nos a força necessária para ajudar, aqueles que tiveram de deixar as suas casas e terras, a regressar em segurança e com dignidade, e a começar uma vida nova, serena e próspera. Amém.
Fonte: Aleteia